Era uma vez – Parte 1
Depois que um Zé povinho mandou uma mensagem pro Bico do Corvo, perguntando se os manos do Hip-Hop devem ser considerados suspeitos se estiverem na rua depois da meia noite usando roupas de rap, com frases estampadas: “vida loka, vida bandida... ”, resolvi criar uma história de terror.
Por favor, tire as crianças da sala.
Aí vai:
Diz a lenda que toda noite de lua cheia, quando o relógio marca meia noite em ponto, em um lugar afastado do centro da cidade, surge o temido, o terrível, o cruel: Vidalokasomem. Ele vaga à noite pelas ruas do centro, assustando os playboys e colocando pânico para vingar os 500 anos de desigualdade, preconceito e discriminação que seu povo está sofrendo.
Aquela sexta-feira estava sombria. Maurício acabava de levar sua namorada em casa, depois de curtir com ela em uma boate e cheirar todas no camarote que havia comprado. Ia dirigindo a todo vapor em direção ao condomínio fechado, onde mora, no centro. Na sua mente, os neurônios faziam passeata reivindicando mais cocaína. Era o vício cobrando seu preço.
Chegou em casa e trocou de carro. Pegou um Scort velho que comprou pra esses tipos de correria. Virou a primeira rua em direção ao lado norte da cidade, e pisou fundo para chegar o quanto antes na periferia, se arriscar e conseguir uns papelotezinhos com um trafica que é conhecido seu. Da última vez que buscou, devia ter comprado mais. “As 150 gramas, não deu nem pro cheiro, literalmente. Na balada tem muitos sanguessugas” – pensou. Mas é assim mesmo, quem tem dinheiro tá sempre rodeado de pessoas e elas sempre querem algo em troca da companhia.
Enquanto isso na perifa:
Jão virou o último gole de café na boca de dentes careados e colocou o copo na mesa ao lado da garrafa. Abriu a porta de madeira do seu castelo de madeira e ficou procurando a lua que ainda não havia dado as caras. Ela se escondia atrás de algumas nuvens, mas já ensaiava uma aparição. Seu rosto estava suando, já sentindo a presença da criançona lá no céu avisando que já estava pronta pra agir. A lua apareceu redondona e brilhante no céu e os olhos de Jão avermelharam-se como se ele tivesse fumado um beque.
O zóião vermelho campanava a lua; Jão parecia um personagem de desenho animado. Quem sabe no futuro venha a ser, é que os escritores ainda não o descobriram. A lua emitia seus raios e começava a mutação. Suas roupas foram rasgando-se até transformar-se em fiapos no chão, e o vento levou dali. A lua pediu mais e Jão, malandro que é, entendeu o recado.
Num varalzinho improvisado dentro do barraco estava pendurada sua armadura. Pegou uma calça larga que cabia dois jão dentro. Tinha duas camisetonas para escolher. Em uma delas, tinha a frase direto do campo de extermínio. Jão escolheu a segunda opção, uma camiseta com a frase o espetáculo do circo dos horrores. “essa é mais trash” – pensou com um sorriso maroto. Escolheu uma bombeta com o VL do vida loka, calçou um pisante de skatista e saiu correndo em direção ao centro da cidade. Com ajuda da lua, a frase em sua camiseta brilhava na escuridão e dava um destaque cabuloso.
Na fronteira do centro com a favela um carro vinha a todo gás e no volante o Maurício coçava o nariz. Quando olhou o rapaz correndo ao longe, ele não acreditou. “Carái, um Vidalokasomem!!!”. Ele sabia da lenda e sabia que não podia ler a frase da camisa, pois ficaria hipnotizado e sobre o domínio do “monstro”. Mas o brilho da frase, com o reflexo da lua era tão estigante que ele começou a ler.
Quando terminou de ler o último S da frase, ficou hipnotizado, fora de si, perdeu o controle e chocou de frente com uma árvore, entrando em óbito no local. Jão correu pra ver, e quando percebeu que era um playba, pensou: “menos um que só fazia peso na terra”. Continuou correndo em direção ao centro, ainda tinha muito trabalho pela frente; aquela noite prometia e ele queria fazer vários boy se cagar todo de medo.
Jão ouviu um grito horripilante de medo e espanto e correu pra ver o que era. Em uma mansão pertinho dali, saia correndo a mil a coisa mais linda que ele já viu na face da terra. Ela tinha os cabelos negros, vestia uma calça larga, com uma estampa rosa, uma bombeta da vida loka e na sua camisa tinha uma frase escrita: “nóis somos a fúria que cês memo criou”.
Jão segurou em sua mão e correu com ela pro matagal, desviando-se dos tiros que o segurança da mansão investia contra os dois. E pra minha história de terror terminar com um final feliz, os dois casaram-se e foram felizes para sempre, com o currículo cheio de sustos e o barraco cheio de vidalokasominhos.
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PARTE 2
O VIDALOKASOMEM ATACA NOVAMENTE
Depois que os manos do Hip-Hop foram tizorados de entrar num shopping
em Curitiba, resolvi escrever mais um capítulo da minha história de terror. Aí vai:
Conta a lenda urbana, que toda noite de lua cheia após a meia noite, num lugar afastado do centro da cidade, nasce o temível, o terrível, o cruel, o assustador e atemorizante Vidalokasomem. Ele sai pelas ruas da cidade assustando os playboys para vingar anos e anos de exploração e genocídio de seu povo.
No último capítulo, o nosso herói encontra-se com uma mina que também tinha sofrido a mutação. Eles fogem, após adentrar uma mansão e assustar os playboys. Desviando-se dos tiros efetuados pelos seguranças conseguem escapar. Apaixonam-se, se casam e são felizes para sempre, com o currículo cheio de sustos e o barraco cheio de vidalokasominhos.
Mas, até o “para sempre” chegar, teve muito chão. Vamos à história.
Fábio estacionou seu Audi TT Turbo em frente o Shopping que inaugurara há pouco mais de um mês. A esposa e os dois filhos desceram e se despediram. Fábio disse que assim que terminar a reunião com os sócios da empresa voltaria para buscá-los. Dirigiu por uns 15 minutos e estacionou em frente a um prédio. Subiu de elevador até o sexto andar e bateu na porta.
- Achei que você não vinha mais. disse o rapaz que abriu a porta.
- Tive que levar a família no Shopping, sabe como é, né?
- Você leva a vida muito a sério meu amigo.
Caminharam até a sala, onde havia mais um rapaz e três garotas de programa.
- Trouxe daquela, lá? Perguntou o rapaz.
- É lógico!!!
Fábio colocou sobre a mesa, 100 gramas de cocaína. Uma das mulheres serviu-lhe um copo de uísque e deu-lhe um beijo na boca. A festa começou.
Enquanto isso, na periferia...
João estava sentado na cozinha com sua esposa Maria. Sobre a mesa uma garrafa de café. Eles tomavam café em copos de massa de tomate e conversavam sobre a vida. Já passou muito tempo desde o dia em que se conheceram. Na sala seus quatro filhos brincavam montando um lego caseiro, feito de peças de madeira. O casal tinha uma escadinha de filhos, 8, 9, 11 e 13 anos de idade. O mais velho chamado Pedrinho, estava em frente à televisão.
- Como ele tá grande, né amor?
- É verdade, já é quase um vidaloka.
Nessa noite seria a primeira mutação de Pedrinho. Os vidaloka transformam-se em vidalokasomens durante os 13 e 14 anos de idade. Seus pais estavam apreensivos. Há meses Pedrinho está treinando em frente à televisão. Dali conseguiam ver lá na sala, ele estava em frente à televisão assistindo um programa e simulando uns sustos.
Os ponteiros do relógio trabalhavam firminho e as horas iam passando. Pedrinho começou a se sentir estranho e o olhar ingênuo foi transformando em um olhar malicioso. Correu pra porta de madeira do castelo de madeira, abriu e deu um rolê no quintal. Sentiu a presença da lua, como que mexendo com ele, convidando-o para conhecer algo novo, incrível e misterioso. Ficou com medo e correu para dentro de novo, fechando a porta rapidamente.
- Será que ele vai conseguir? perguntou Maria ao marido.
- Vai. Pode ficar tranqüila, vai dar tudo certo.
- Estou com medo, acho que deveríamos ir junto com ele.
- Sim, vamos. Mas ele não pode saber.
Meia noite em ponto, a lua cheia brilha firme no céu e ilumina os barracos. Pedrinho sentiu a presença da criança, tomou coragem e correu pra fora. Olhou pro céu e depois fechou os olhos, a claridade era assustadora para ele. A primeira vez é sempre assim. Ele sentiu seu corpo mudando e a inocência indo embora. Suas roupas rasgaram-se e no lugar surgiram outras, mais largas e coloridas. Uma bombeta branco e vinho com o símbolo VL (de vidaloka) cobriu sua cabeça. Na camiseta uma frase: Binladen de Bombeta. Seus olhos avermelharam-se e ele saiu correndo em direção ao centro. João e Maria pediram para a filha de 11 anos cuidar dos demais e depois saíram pra fora. Transformaram-se e seguiram o rastro do Pedrinho em destino ao centro da cidade.
No centro da cidade, Fábio despede-se dos amigos após a bebedeira, cheradeira e orgia. Meio chapado entrou no carro e saiu em disparada para buscar a família no shopping. Em uma curva da estrada percebe alguém correndo e quando olha não acredita.
- Carái, um vidalokasomem!!!
João corria e sua camiseta brilhava, com o efeito da luz da lua. Exibia a seguinte frase: “Não tem alarme bom, quando o bom ladrão quer”. Fábio sentiu-se atraído pelo brilho da frase e estava quase lendo, mas conseguiu se segurar e olhou pro outro lado da rua. Não acreditou no que viu. Do outro lado estava Maria. Na sua blusinha uma frase completava a rima: “Cês dão taça de veneno e quer soufflé”. Fábio ficou hipnotizado, entrou em transe, perdeu a direção, bateu num ponto de ônibus e entrou em óbito na hora. Quase atropelou um mendigo.
Pedrinho, chegou na boca do Shopping. Caminhou e entrou pela porta dos fundos sem o segurança perceber. Lentamente, sem ninguém ver, foi adentrando o shopping. Parou próximo a um Mc Donald's e ficou vendo as crianças felizes comendo seus Mc-lanches-felizes. Mais pra frente viu crianças se divertindo no jogo de fliperama. Crianças no cinema, no Kart, pescando ursinhos de pelúcia em máquinas, comendo chocolates, comidas saborosas, sorvetes. Lembrou que em sua casa só come arroz com feijão e começou a se questionar. Porque uns tem de tudo e outros não tem quase nada? Porque uns estão em palácios, mansões e outros em barracos, morando na rua?
Estava se transformando em um vidaloka. Chegou próximo de uma criança que descia alegremente por um escorregador e deu-lhe um tremendo susto. “Mãe, um vidalokasomem” gritou traumatizada a criança. Quando os seguranças chegaram, Pedrinho já estava longe. Seus pais o viram sair correndo do shopping e seguiram-lhe. Quando estava próximo do barraco, pegaram um atalho para chegar antes.
Pedrinho abriu a porta do barraco e caminhou a passos firmes até a sala. Mãe, pai e irmãos estavam a sua espera. No seu rosto um sorriso cabuloso.
- E aí filho, como foi? Tudo certo? perguntou a mãe.
- Pode acreditar. Respondeu alegremente.
- É assim mesmo filhão, o vidaloka é aquele que vai pra guerra.
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