sexta-feira, 16 de julho de 2010

BONS POEMAS PARA RELER EM ANO ELEITORAL

Vai aí ótimos poemas do Glauco Mattoso, para lermos nesse ano eleitoral. Quem já leu, vale a pena ler de novo!!!

Quem disse que não gosta
De política, mas vota
No ladrão, só borra a bota
Quem mandou pisar na bosta!

Mal seu pé naquilo encosta
Sente o que o governo cheira
O eleitor erra a primeira
Na segunda o voto nega

Apostou na escolha cega,
Agora limpem a sujeira


SONETO 864 ELEITORAL

Fundar novo partido é coisa à toa:
reúne-se uma turma num boteco,
e, enquanto o chope espuma no caneco,
com muito palavrão o papo ecoa.

Rascunha-se o estatuto, e assim que soa
eufônica uma sigla, pronto o treco
está. No editorial dum jornaleco
se invocam os direitos da pessoa.

"Obreiro", "Trabalhista" ou "Proletário",
qualquer bobagem serve de legenda,
contanto que ache espaço no plenário.

Na próxima campanha, caso renda
mais votos, se coliga e aluga o horário
gratuito, inda que até ao rival se venda.


SONETO 528 ELEITOREIRO

Fulano é candidato e, na pesquisa,
dispara feito um Senna, lá na frente.
Sicrano também quer ser presidente,
mas, como é governista, se narcisa.

Fulano em bronca nada economiza.
Sicrano, o branco, rindo, mostra o dente.
Barbudo, diz Fulano que "Ele mente!".
Farsante, tem Sicrano a cara lisa.

Por fora corre o cínico Beltrano,
gozando, no debate, os dois primeiros:
"Aquele dá calote; este dá cano!"

Produto, todos três, dos marqueteiros,
não têm ciência ou fé, projeto ou plano:
iguais, de resto, aos outros brasileiros.


SONETO 25 POLÍTICO

A esquerda quer mudança no regime:
trocar todas as moscas sobre o troço;
mais gente repartindo o mesmo almoço,
pra ver se a humanidade se redime.

A situação não quer mexer no time:
o jogo da direita é o mesmo osso,
o mesmo cão, e nada de alvoroço,
mantendo o status quo que nos oprime.

Um cego como eu, politizado,
consciente de não ser tão incapaz
que não possa escolher qual é meu lado;

Pra mim, desde que seja dum rapaz
o pé pelo qual quero ser pisado,
direito como esquerdo, tanto faz.


SONETO 795 DO DECORO PARLAMENTAR

-- O ilustre senador é um sem-vergonha!
-- O quê?! Vossa Excelência é que é safado!
E os dois parlamentares, no Senado,
disputam palavrão que descomponha.

Um grita que o colega usa maconha.
Responde este que aquele outro é viado.
Até que alguém aparte, em alto brado
anima-se a sessão que era enfadonha.

Inútil tentativa, a da bancada,
de a tempo separar o par briguento:
aos tapas, se engalfinham por um nada...

Imagem sem pudor do Parlamento,
são ambos mais sinceros que quem brada:
-- Da pecha de larápio me inocento!


SONETO 321 ESQUERDISTA

Enquanto os verdadeiros esquerdistas
apelam pra guerrilha e pro terror,
os intelectuais se dão valor
apenas porque pensam nas conquistas.

Cantores, professores, jornalistas,
o ator, o padre, o músico, o doutor
na feira das vaidades dão à cor
vermelha vários tons, marchands marxistas.

Prestígio tem aquele que se diz
das causas populares paladino.
Na prática, o guru se contradiz.

Anel, carro importado, vinho fino.
Ao cheiro do povão torce o nariz,
mas brinda ao seu Guevara, ao seu Sandino.


SONETO 323 DIREITISTA

Enquanto os verdadeiros direitistas
dão golpes e se instalam no poder,
eunucos patrulheiros do lazer
censuram filmes, vídeos e revistas.

Se julgam da moral especialistas,
ditando o que devemos ou não ler.
Masturbam-se, porém, sem poder ser
na prática os tais sadomasoquistas.

Fascismo pela imprensa é rotineiro.
Civismo pretextando, educadores
defendem a criança o tempo inteiro.

Mal sabem os palhaços ditadores
que os filhos não se trancam no banheiro
e agora acessam tudo, ao vivo, em cores...


SONETO 324 CENTRISTA

"Extremos nunca! Não me comprometa!"
Assim diz quem é neutro e não se alia
à febre material da burguesia
nem ao materialismo de caneta.

"Nem a favor, nem contra!" É uma ampulheta
parada, cuja areia entope a via
e nunca sai do horário: meio-dia.
Não caga nem levanta da retreta.

"Nem tanto ao mar, nem tanto à terra", diz.
"Nem oito, nem oitenta", diz também,
alheio à divisão dos dois Brasis.

É vaca de presépio e diz amém,
até que a voz das urnas ou fuzis
lhe jogue em plena cara quem é quem.


SONETO 893 CORRECIONAL

Incauto, um deputado se encaminha
a pé para a festinha da bancada.
De súbito, é cercado na calçada
e está preso no centro da rodinha.

Primeiro, um empurrão o desalinha.
Um murro deixa a boca ensangüentada.
Tentando reagir, o cara é cada
vez mais encurralado e só escoicinha.

Não tarda, e um pé mais ágil se revela.
Tropeça e cai, por fim, o desgraçado,
e um chute logo acerta-lhe a costela.

Já chovem pontapés de todo lado.
Os dentes do político esfacela
o bico dum sapato bem surrado.


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