sexta-feira, 6 de maio de 2011

ENTREVISTA COM HUANY

ADIOS AMIGO!!! HUANY SE DESPEDE DE FOZ



Huany Pereira tem 43 anos de idade e é natural de Paranavaí, norte do Paraná. Pisou em Foz do Iguaçu pela primeira vez no ano de 1987 quando atuava no movimento underground em Guaíra. Algumas idas e vindas depois e fica definitivamente em Foz em 1992. Montou seu Studio de tatuagem na Av JK e sempre apoiou o movimento underground da cidade. Trocamos idéia com o irmão que está de malas prontas para ir morar na Europa. A entrevista foi realizada por Danilo George e Eliseu Pirocelli na tarde de 23 de março, em seu Studio no Shopping Pietro Ângelo.

EP: Como foi sua Infância?

H: A infância foi normal, comecei estudando em colégio particular e tal, não me adaptei, saí, passei pra um colégio público onde minha mãe dava aula, e foi duas realidades bem diferentes assim. Eu tinha problemas de dislexia quando era criança, problema de concentração, memorização, aprendizado, mas como eu era filho de professora e minha mãe conhecia todo mundo assim eu fui passando. Depois eu mudei pro Mato Grosso do Sul e já era um outro cenário, uma época mais preservada, foi uma parte da infância bem livre, bem divertida assim, foi bem legal.

EP: Chegou a fazer faculdade?

H: Não, por conta desse problema de dislexia e tal, eu reprovei muito de ano. E desanimei também, eu era meio rebelde, não rebelde negativo e tal de bagunça, mas as vezes eu não concordava com algumas coisas e minha mãe por ser professora universitária tinha algumas influencias. Por exemplo com outra parte da história das coisas que eu confrontava com a educação tradicional. Com 17 anos eu deixei a escola, saí de casa, eu morava em Guaíra com meus pais e fui pra Mato Grosso do Sul sozinho, arrumei um trabalho e fui ver qual que é, deixei a escola. Tentei fazer o supletivo, mas deixei.

EP: Você veio pra Foz quando?

H: A minha conexão com Foz, de Guaíra, acho que foi em 1987. O Nilton Bobato, na época do metal, do nada por contato ele me mandou uma carta: “Você é de Guaíra, do movimento e tal”, a gente começou a trocar correspondência e tal, daí ele me chamou pra tocar com eles aqui. Mas na época eu tava com outras idéias e com outras influencias musicais. Mas eu sempre vinha pra cá, vinha em shows, comecei a fazer bastante amizade e acho que eu voltei definitivamente em 1992, vim pra tocar com o pessoal, comecei a trabalhar.

EP: Você tocava em banda?

H: Antes eu tocava, era mais envolvido com a cena musical e tudo, só que eu tenho um pouco de dificuldade com a questão técnica da coisa. E a música que eu gostava era tecnicamente meio complicada, exigia um pouco. A gente começou a tocar em banda e a galera começou a se dedicar bastante, começou a evoluir e eu comecei a tatuar nessa época, me dedicava também a tatuagem e comecei a ficar meio limitado tecnicamente e fui me identificando mais com a tattoo, arte visual, né, e fui mais pra esse lado.

EP: Começou a tatuar ali depois da banda ou já tatuava?

H: É paralelo a banda, comecei na época da banda, daí comecei a dedicar mais e foi pendendo mais pra tatuagem.

EP: Como era a cena cultural da cidade nessa época que você veio pra Foz?


H: Cultural em geral eu acho que era legal, tinha vários movimentos artísticos. Eu lembro que tinha o Centro de Tradições Nordestinas, eles eram bem atuantes sempre trazia as pessoas, fizeram uma feira. Tinha outros grupos aí, a banda do Tempo, o Quintal de Clorofila, tinha uns grupos. Tinha uns músicos bons de fora que vieram e ficaram um tempo aqui. No underground, na época o Rock não tinha espaço mesmo, era tudo um bando de loko, era meia dúzia e era bom porque a galera fazia tudo na raça. Era muito amor, muita vontade, a galera muito unida, num evento um colava cartaz outro agilizava um local, era todo mundo unido, era muito bom.

EP: O incentivo pelo poder público na época já era escasso como nos dias de hoje?


H: Eu acho que sempre foi assim, teve algumas aberturas em épocas eleitorais (risos) isso é normal, até mais um pouco do que é agora e sem querer querendo o movimento acabou se infiltrando e conseguindo alguns apoios, mas nada mais que isso.

EP: A gente vê que Foz do Iguaçu tem essa questão de ser uma cidade turística e vende isso pro mundo, mas uma cidade turística vai além de ter atrações turísticas na cidade. Você que viajou pra outras cidades turísticas no mundo como você vê essa questão de Foz?


H: Acho que tanto no mundo, no Brasil mesmo a gente vê que o turismo ele é bem amplo e onde tem pessoas várias coisas podem ser trabalhadas. Geralmente assim como eu to numa cidade turística eu vejo que essa cidade tem cara de cidade turística. Tem um atrativo, um apelo, uma coisa legal assim, e Foz tem uma cara de cidade (risos). Não tem uma cara de cidade turística, não tem um atrativo, fora do atrativo Cataratas, Itaipu, essas coisas... Mas a cidade em si não apresenta nada. Não apresenta e não oferece, porque acho que tinha que ter um pouco mais de facilidades, mais informações pro turista, mais isso, né. A permanência do turista na cidade é bem pouca né, e a população acaba sendo bem prejudicada por isso. Eu vejo por mim, porque quando eu vou trabalhar em uma cidade turística tem muito turista, muito gringo, muito mochileiro, aqui em Foz eu quase não tatuo turista, um ou outro vem. E vem bastante eu deveria tatuar bastante e tal, mas não é o que rola então dá pra perceber por aí.

DG: Você viajou, foi algumas vezes pra Europa, conheceu a Cristhiania cidade anarquista da Dinamarca, como foi essa experiência assim, como você vê a questão da liberdade, até de direito, o que a juventude de lá tem que aqui falta no Brasil.

H: Então, primeiramente, eu acho que a liberdade depende de uma questão de consciência. Por exemplo, quando se diz em legalizar a maconha no Brasil tendo em base a Holanda, tem que conhecer primeiro o povo holandês, porque eles conseguiram legalizar até a putaria (risos) até a prostituição, ou seja, zona eles conseguiram organizar e a gente não consegue organizar nem o que é organizado, nem o que é estatizado e tal. A Cristhiania eu acho que existe porque o povo Danês, o povo da Dinamarca tem essa cultura que não é de ontem, é de centenas, de milhares de anos, essa questão da organização, respeito, respeito ao seu espaço, ao meio comum. É muito interessante. Eu comentei uma coisa com um amigo do México, eu falei: “Onde eu moro não tem nem como explicar como que é aqui, as pessoas não conseguem nem imaginar como é a coisa mesmo”, um bairro anarquista, autogestão e várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, culturalmente, é muito interessante.

DG: Lá não tem vereador, prefeito, nada, é um modelo anarquista mesmo de não ter Estado?

H: É como se fosse um bairro, era uma área militar ocupada, né, então é como se fosse um lugar privado. Então ali ninguém pode exigir nada porque é como se você tivesse dentro de um lugar seu. Por exemplo se a polícia exigisse alguma coisa teria que entrar com mandado, não tem, não é preciso. O sistema é de autogestão, não tem uma diretriz, a administração do lixo é feito por eles mesmos. O aspecto negativo assim que ta rolando que o sistema de repente pode usar contra é a venda indiscriminada de maconha, produção e tal. Mas dá pra ver quem ta ali só pra isso e quem ta ali pelo movimento. Tem que dividir as duas coisas. Mas sempre o que é mais fácil e mais lucrativo se sobressaem, e essa é uma das coisas que divide um pouco.

DG: Você acha que as pessoas lá vivem felizes, crianças, jovens, o que você percebeu lá?

H:
Eu acho, é difícil dizer, aparentemente sim. Tem muitos esquimós que saem do ártico e da Groelândia e vivem lá bem. O dia que eu fui tava tocando umas bandas assim, o pessoal dançando e curtindo, umas crianças punks, é bem engraçado, crianças punks assim e não era porque o pai era, mas porque é o jeito. Eu acho que sim, são felizes, mas a pessoa tem que ta adaptada com aquele estilo de vida porque de repente não é uma educação que você tem, as coisas são diferentes, e quem ta lá ta porque gostam e dá pra sentir que tão de boa.

DG: E a educação lá você sabe como funciona, tem escolas, universidades?

H: Então, tem escolas, mas na verdade eu não sei como é. Acho que são os pais mesmo, uma coisa meio cooperativa. Mas na verdade eu não sei dizer.

DG: E prisão, tem prisão?


H: Não, não existe.

DG: E se tiver alguma infração, alguma violência, como que resolve?


H: Até tem umas tretas lá, acho que resolve resolvendo mesmo. Por exemplo tem muita gente que é contra o uso e consumo indiscriminado de droga e meio que se conflitam. Tem muito a questão do movimento nazi e antinazi, então tem essas coisas, mas resolve dialogando ou na porrada.

DG: Eu queria que você falasse dos motivos que ta te fazendo sair de Foz.

H: Na verdade, Foz me deu uma conexão com o Mundo por ser uma cidade internacional, né. Daqui eu fui pra Assuncion, de Assuncion pra La Paz, de La Paz fui pra Bogotá, de Bogotá pra Europa, não nessa seqüência, mas assim... depois de um tempo essas conexões foram se fortalecendo... mas eu com a questão ideológica eu procurava continuar aqui. Fiz vários trabalhos, trouxe artistas da China, Israel, Estados Unidos, pra ter um pouco mais... mas sei lá, o tempo passa, passa, passa e as coisas não estão acontecendo. Meio que dá um barulho que vai acontecer e não acontece. E de repente eu recebi uma proposta de um amigo me oferecendo trabalho pra mim e pra minha esposa, casa, tudo, tava com a documentação encima. E eu acabei optando pela mina filha, a Suécia é o melhor padrão de vida no mundo e a minha opção ideológica é minha, mas eu não posso também exigir que ela pague isso, né. Depois a gente vai ver, mas eu nunca vou me desconectar de Foz, é uma coisa que ta além de ter morado ou de ser daqui.

DG: Então um dos principais motivos foi você supostamente buscar uma educação melhor num país de nível europeu?

H: É pra ela, e também tipo assim, o cansaço de ta batendo, batendo, batendo... e de repente chega um tempo... eu quero receber e não só entregar, entregar, entregar e de repente não virar. Eu quero pelo menos por um tempo ta num lugar onde tudo ta acontecendo e ta absorvendo isso.

DG: Da sua geração muita gente foi embora de Foz?

H:
Puts, muita gente e principalmente os melhores. Me doía o coração. Quando um amigo de uma cena que fazia um movimento ia, eu sentia muito. E tipo assim se essa galera tivesse agüentado e ficado, mas a mesma coisa eu vi os cara batendo, batendo, batendo, na mesma.

DG: E onde que ta esse pessoal geralmente, pra onde que eles vão, você tem alguma idéia assim?


H: Alguns pelo Brasil mesmo, tenho amigo em Londres, tenho amigo na Espanha, tem gente que foi pros Estados Unidos. Por aqui mesmo, até em Cascavel tem gente aqui do movimento que agitava as paradas e foi pra Cascavel e Túm!!! na hora o negócio... e o cara tava aqui em Foz com o ouro na mão, questão de eventos, contatos e tudo. Não valorizaram, foi lá e Tum!!!

DG: Então parece que Cascavel valoriza mais a cultura do que Foz?

H:
Eu acho que Cascavel tem uma coisa mais de empreendedorismo e é um pouco descentralizado eu acho que as coisas são um pouco mais distribuídas e tem um pouco mais de espaço. Eu acho que Foz as coisas são muitos centralizadas, os recursos e tudo, e tem menos espaço.

EP: Passado aí oito anos de governo Lula e agora mais quatro anos do PT, estamos indo pra doze anos de um governo dito de esquerda, como você vê os avanços e os retrocessos que tiveram durante o governo Lula?


H: Eu não acredito muito em esquerda, direita, e essas coisas, pra mim é tudo... Quando você vai pra fora você muda um pouco a sua visão, você vê como as coisas são lá e como poderia ser aqui. E eu acho que muito essa questão, lá fora o Estado cuida do cidadão e aqui é o contrário a gente mantém o Estado e o \Estado só ferra a gente. Eu acho que teria que ter uma reforma social urgente, reforma tributária, vários aspectos, né. Eu acho que a riqueza do país ta na mão nem de uma minoria, ta na mão de fulanos, esse e aquele. E nem a Marina que veio de movimentos sociais, tudo, tipo assim eu me animei um pouco, mas eu vi que a proposta era a mesma dos outros. A questão da reforma social, tributária, trabalhista e tudo. Eu acho que é muito difícil de peitar esse poder, entendeu. Mas eu acho que esse sistema não ta mais se sustentando. A libertação dos escravos não foi uma questão humanitária, a Inglaterra concluiu que era caro, tipo assim, manter um escravo. É melhor você remunerar uma pessoa que também ele vai consumir e pro Estado isso é bom e pressionou Portugal... eu acho que essa globalização e neoliberalismo eu acho que foi uma coisa lá de fora, porque falaram “chega de ser tudo pra gente, vamos deixar o terceiro mundo enriquecer um pouco pra consumir um pouco do nosso”, e eu acho que ta acontecendo isso eles estão visando que as classes mais baixas subam um pouco mais que acho que vai ser um pouco melhor pras classes mais altas e tudo, por que só concentrando lá encima essa estrutura já não está mais se mantendo. Eu acho que vai mudar, mas é um processo lento e os interesses não é humanitário.

EP: A luta pelos direitos humanos no Brasil avançou bastante. Uma das bandeiras é para que se abra os arquivos da ditadura militar pelo resgate dessa memória para que os erros não se repitam. Em outros países como a Argentina teve seus movimentos e já avançou... Como você vê a questão da ditadura e essa luta pela abertura dos arquivos?

H: Eu acho interessante e principalmente quem tá no poder foi vitima dessa ditadura e tudo. Mas, por exemplo, quando se querem condenar os opressores, os militares usam essa coisa “ah não, tem que punir os ativistas porque teve a questão de sequestros”, então é essa desorganização que eu falei... É necessário abrir os arquivos. Por exemplo na época de Rui Barboza ele quis exterminar todas as fazendas escravagistas, os engenhos, ele queria apagar da memória a escravidão do Brasil e foi um erro que ele cometeu. Não tinha que apagar, tinha que mostrar, tanto que algumas fazendas que escaparam dessa eliminação que eles fizeram na época tem ali a parte do encarceramento de tortura e tal que é um arquivo vivo que ouve no Brasil. Tem que mostrar a verdade não tendencionar nem pra um lado e nem pra outro, eu acho que essa ditadura ainda existe, mas mudou de forma.


DG: Na Europa tem mais preocupação com o meio ambiente, os partidos verdes vêm de certa forma da Europa de países como a Suécia, Holanda, essa preocupação ambiental. Como você vê essa questão ambiental aqui no Brasil?

H: Então, todo mundo fala que o Brasil é o país do futuro, mas eu acho que o futuro é agora, porque o que a gente ta fazendo agora vai refletir no futuro. A cidade que eu vou morar é uma cidade madeireira, então vão falar “nossa madeireira”. Mas ela foi planejada cem anos antes. Quando eles desmatam uma parte a outra já está totalmente reflorestando e é um ciclo contínuo. E quando eles desmatam eles se preocupam com tudo, até os troncos eles deixam alguns porque é a base da cadeia de insetos, a questão do lixo, tudo. Por exemplo, um país que tem o maior poder aquisitivo, padrão de vida, mas todo mundo anda de bicicleta, você sai e todas as ciclovias e as calçadas estão cheias de bicicletas. A gente ta muito acomodado. Uma amiga da Colômbia que teve aqui falou que aqui se recicla mais, se fala mais de ecologia, reciclagem do que lá. Acho que isso vai acabar repercutindo, nem que seja num processo lento.


EP: Você participa do budismo, podia explicar um pouquinho como é a ideologia...

H:
Então, na minha época de infância, eu tinha muita inquietude, porque as coisas são assim, porque não são de outro jeito, porque tem tantas injustiças. Então na juventude na época do punk eu parti mais pro movimento anarquista e social de querer mudar o mundo. De repente eu comecei conhecer mais o aspecto espiritual e comecei a consumir muito material, livros de tudo que fosse a questão religiosa, esotérica, metafísica e tudo isso. Então eu percebi que a grande transformação do mundo é a transformação interior. Não adianta você querer mudar o mundo querer mudar as pessoas se você não mudar a você mesmo. E se você mudar a você mesmo você consegue influenciar o seu meio, isso é uma mudança, né. Mas como eu vou mudar a mim mesmo se tem tantas coisas te induzindo a consumir, a se alienar. Então eu precisava de ferramentas e dentro desses ensinamentos espirituais, mesmo o cristianismo... Jesus chegou com o velho testamento, era algo bem mais agressivo, ditatorial e ele disse “ame seu inimigo” revolução interior. O budismo é isso, as praticas e ensinamentos eu uso como uma ferramenta pra isso e é uma coisa que traz muita paz interior e equilíbrio. É uma coisa que eu gostaria que todo mundo experimentasse, mas é uma coisa muito pessoal, só quem gosta e quem quer mesmo.

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