sexta-feira, 16 de abril de 2010

Lançamento do Documentário As Muitas Faces de Uma Cidade – ou – Mordida de Formiga dói e incomoda.


(grafite do Woloco em homenagem as Muitas Faces de Foz)

Recentemente eu escrevi um texto no blog sobre o Documentário produzido por mim e pelo meu amigo Danilo: “As Muitas Faces de Uma Cidade”. Eu que ultimamente não crio muitas expectativas sobre as coisas disse pro meu parceiro que esse documentário seria só uma mordidinha de formiga nos pés da elite da cidade. Caprichamos na divulgação com a ajuda de amigos, jornalistas, sindicalistas, e militantes da cultura em geral. Mais de 30 sites e blogs estavam ajudando na divulgação do evento e o trailler no youtube já contava com mais de 600 exibições.O documentário foi lançado dia 13 de abril e o esforço teve retorno, mais de 200 pessoas lotaram o auditório da Unioeste para assistir o audiovisual e participar do debate. Tinha gente em pé, sentados no chão, na porta e no corredor, se amontoando para não perder nenhum detalhe. O mais importante é que o público não foi formado somente por acadêmicos, compareceram no evento pessoas de diversos bairros e favelas de Foz. Uns dias antes do lançamento, as mordidinhas de formiga já estavam incomodando algumas pessoas que se acham donas da mídia da cidade. Após uma nota publicada no site Megafone, onde destacava uma frase da Arinha (diretora da Casa do Teatro) que foi entrevistada para o documentário, onde dizia: “Cultura não é de interesse dos governantes dessa cidade, nunca foi e continua não sendo” os detentores da grande mídia ligados ao governo e com cargo público já se ouriçaram. O pensamento era que o documentário fosse produzido pela oposição para atacar o governo. Mas, na verdade o documentário é feito por dois militantes e não ataca o governo e sim a forma de governar e o continuísmo do mais do mesmo na política iguaçuense.

O intuito principal da produção não era essa e pensamos que o debate não seguiria pra esse rumo. A mesa de debate foi mediada pela professora da Unioeste Silvana Souza e contou com a presença do jornalista Jackson Lima e da historiadora Adriana Facina da Universidade Federal Fluminense – RJ. Na minha visão, como produtor do documentário, a principal função do lançamento desse documentário e do debate era discutir a criminalização da pobreza, como a mídia e os governos tratam da favela, e tentar quebrar o senso comum de que a favela é o berço da violência e da barbárie. O debate foi produtivo, apesar de ter migrado pro caminho da politicagem. Acho que pela presença do secretário-geral da Fundação Cultural, Adilson Pasini e do representante da Secretaria de Governo de Foz, Adelino de Souza. Eles começaram a apresentar números da administração e a sala foi ficando vazia. “Como liberdade de expressão eu acho que ta muita politicagem mesmo e ta parecendo debate de eleição”, disse Maria Eugênia, estudante de pedagogia que participou do debate.

Quem abriu a fala na mesa foi meu parceiro Danilo que contou como surgiu a idéia de fazer o filme, desde a realização do seu trabalho de conclusão de curso onde conheceu algumas favelas de Foz, sua viagem para o Rio onde se envolveu na militância por direitos humanos, o processo de filmagem e de entrevistas, a produção e a pós-produção do documentário. Sobre o título Danilo disse: “Resolvemos mostrar que dentro de uma cidade existe várias cidades. Aí surgiu o nome As Muitas Faces. A gente quando conhece uma pessoa falsa a gente diz que é uma pessoa que tem muitas caras, né, e Foz do Iguaçu muitas vezes é uma cidade falsa. É uma cidade que se apresenta como uma cidade turística só, essa é a face, essa é a memória oficial. A outra face que se apresenta é a face da violência, o lugar que mais morre jovem, lugar inabitável”.

Eu foquei minha fala na produção da trilha sonora do documentário. A gente pensou em usar só músicos e artistas da nossa cidade, nada mais justo para um filme sobre Foz. A nossa cidade conta com uma cena cultural muito forte, apesar do abandono da administração pública nesse setor. Temos diversas bandas, muito boas e de diversos seguimentos musicais. Usamos na trilha sonora, percussão, musica instrumental, reggae, rap, rock, funk, soul e hardcore. Com as bandas Negendre, Raizen, Artilleria Pesada, Mano Zeu e os instrumentais de Eliseu Santos.

O jornalista Jackson Lima deixou em sua fala que sua principal militância hoje é por duas causas. Uma é para que as pessoas parem de usar o termo tríplice fronteira, que segundo ele é um termo policial que começou a ser usado depois de 1994 para indicar lugares de crimes de terrorismo. A outra é quando ele assume o papel de bairronauta. “É um santo que baixa. Quando baixa o bairronauta eu vou a pé”, brincou o jornalista. Como bairronauta Jackson Lima diz que luta para que as autoridades transformem os bairros em seu centro de vida. Relembra de que na constituição de 1988 se falava em municipalização da educação, da saúde, etc. Enfatizou que os pontos turísticos estão nos bairros, a Itaipu está na Vila C, o Marco das três Fronteiras está no Porto Meira, o Hotel Rafain br está no Parque Imperatriz, então esses lugares merecem tanta atenção quanto os pontos turísticos.

A fala que mais me emocionou foi da historiadora Adriana Facina. Ela começou sua fala dizendo que quando recebeu uma cópia do documentário pelo correio e foi assistir, o seu prédio estava sem luz e a bateria do computador acabou antes do final do filme. Sem poder ligar a televisão, ficou sem saber exatamente o que estava acontecendo em Niterói aquele dia. No dia seguinte enquanto ela ouvia pela televisão notícias sobre os mortos e desabrigados, assistia na tela do computador o trecho em que mostrava a enchente e alagamento da Favela da Mosca, de Foz do Iguaçu, registrada no documentário. “As mesmas histórias em cenários diferentes. O desespero me invadiu a princípio, um sentimento de revolta impotente, uma raiva... Mas após o desespero me vem uma ponta de esperança de que essas semelhanças possam ser a raiz para a construção de um novo mundo a ser erguido pelos oprimidos, pelos pobres, pretos, favelados, com sua força de sempre resistir e reconstruir sua cultura, sua fé na vida. Aliás se tem uma coisa tipicamente favelada é a fé na vida”, disse a historiadora. Adriana contou-nos que no Rio de Janeiro a reação imediata das autoridades públicas foi culpabilizar os pobres, promovendo a criminalização da pobreza. Falou das remoções das favelas em áreas de valorização imobiliária e que o governador Sérgio Cabral – o mesmo que disse que as mulheres da Favela da Rocinha são fábricas de marginais – usou o discurso de que a culpa é do pobre que foi habitar as encostas, como se ele tivesse outra opção.

No debate foi discutido diversos temas como cultura, habitação, processo eleitoral, problemas sociais, desemprego, violência, entre outros temas. A maior crítica foi a respeito do investimento à cultura, que nas palavras de Edson de Carvalho a Fundação Cultural de Foz pensa que cultura é só Carnaval e Fartal. Disse que já procurou diversas vezes a fundação mas, nunca foi bem recebido e esbarrou na burocracia que eles tratam a cultura popular.

Uns vão dizer que esse documentário é pra atacar o governo, outros vão dizer que é pra atacar a mídia. Eu gostei da denominação do professor Tião, que foi o primeiro a falar no debate. Ele disse: “esse documentário é uma denuncia e mostra que o capitalismo não presta pra humanidade”.

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