
Me disseram que os blogs foram criados originalmente para ser uma espécie de diário online, mas a galera começou a usar pra outras paradas. Hoje eu resolvi resgatar essa memória do blog e escrever como foi meu dia.
07:00hs – Meu despertador tocou e eu fiquei mais uns 10 minutos deitado até me levantar. Independente do horário que eu to indo dormir eu tento acordar as sete da manhã pro dia render. Eu digo pros camaradas que eu to acordando cedinho pra acordar o sol. Coloquei uma água pra ferver e enquanto isso fui molhar as plantas na minha horta. Enquanto eu cuido da horta fico vendo as crianças indo pra escola e os pais levando os filhos pra creche. Além de ouvir o canto dos pássaros nessa hora da manhã, respirar o ar puro, é o maior barato ver a favela cheia de gente na rua já cedinho, isso renova minhas forças.
Preparei uma garrafa cheia de café. Meu café fica muito forte porque eu sempre exagero na quantidade de pó. Na verdade eu já sei quantas colheres colocar para o café ficar bom, mas como não gosto de café fraco sempre fico cabreiro e coloco mais uma colher bem cheia. Um amigo me disse que eu tenho que vender meu café pra caminhoneiro, assim eles vão poder dirigir três dias seguidos sem dormir. Outro amigo apelidou meu café de noite de insônia.
08:05hs – Pego a garrafa de café, uma xícara que tem o adesivo do Manos Hip-Hop, uma enxada, e subo até o Cidade Nova I, onde eu e uns parceiros temos uma roça. Ficamos trabalhando na roça cortando o mato e as tiriricas que crescem bem mais rápido que os alimentos que estamos plantando. Na nossa roça já está nascendo aipim, quiabo, ervilha, alface, espinafre, cebolinha, coentro, tomate, erva cidreira, erva doce...
Meu parceiro me perguntou se até o natal a gente já estará colhendo o aipim e eu disse pra ele que com esse tempo sem chuva vai ser difícil. Aí ele me pegou na minha contradição. “Ué, não é você que canta aquela música: Tenha Fé... cadê sua fé?”. Eu tive que voltar atrás e disse pra ele que o aipim vai crescer tanto que vamos ter que alugar uma escavadeira pra poder colher. Aí eu citei a música dos manos lá do Porto Meira: Milagre não é sorte.
11:30hs – Desci pro meu barraco pra fazer almoço. Ultimamente eu to na pira de cozinhar. Hoje cozinhei feijão preto com coentro, arroz, macarrão com couve, farofa, salada de alface com rúcula, e fiz chá mate gelado. Enquanto cozinhava eu coloquei o Cd Brasil Ilegal e fiquei cantando as músicas, ensaiando pro show de sábado na Vila C.
14:10hs – Comecei a escrever o Óia sÓ para postar no blog, faz uns dias que eu não escrevia essa coluna. O foco dessa vez foi a política, vocês podem conferir no post de baixo. Fui pra lan house e peguei uma hora de tempo. Enquanto postava conversava com uma galera. Uma amiga que trabalha numa estamparia; um amigo que trabalha numa revendedora de veículos; um amigo jornalista que tem uma banda de hardcore (me mostrou um vídeo muito loko que fez pra música do Tremolo – ex SNJ); uma amiga do Morumbi; meu sobrinho do Jd. Paraná; um mano da Vila C que ta organizando o show de sábado; uma mina que mora no centro; um mano de Santa Catarina que tem um grupo de rap (me convidou pro seu casamento que vai rolar em dezembro). O tempo foi rapidinho, nem deu pra ler os e-mails direito.
16:30hs – Passei em frente a casa de uma amiga, ela estava preparando a tinta pra pintar sua casa e me chamou pra ajudar. Fui pra casa trocar de roupa e levei um tererê. Estava ela e outra amiga e já tinham aberto uma garrafa de vinho. O tererê ficou pra outro dia. Foi só eu voltar a beber que todo lugar que eu vou tem gente bebendo. Fui no sapatinho pra não chapar, to bem fraco pra bebida. As minas tinham preparado a tinta com cal, água e umas bisnagas xadrez de tinta azul forte. A cor verde já estava toda gasta e esfarelando nas paredes de madeira do barraco. Eu levei um cd de rap pra gente curtir enquanto trampava, que as minas me pediram. Fiz uma coleta com os sons dos grupos de Foz: Aliados da Periferia, Ataque Sonoro, Verso de Honra, Quinto Naipe, Visão Eterna, Conexão PB, Eloqüentes, Inimigos da Guerra, Mano Zeu... Elas gostaram tanto do cd que nem me devolveram. Cada um pegou uma parede pra pintar, só os fundos da casa que não. Quando eu terminei, estava todo sujo de tinta e com o rosto todo azul, parecendo um avatar. Elas riram muito.
18:35hs – Molhei de novo as plantas na minha horta e fui correndo pra casa da minha irmã pra ajudar a molhar a dela. Ela fez aniversário esses dias e o meu presente foi fazer uns canteiros no quintal da casa dela. O mato já estava tomando conta. Ela trabalha de empregada doméstica, aí já viu, trabalha demais cuidando da casa dos outros e quase não sobra tempo pra cuidar da sua própria casa. E o pouco tempo que sobra é dedicado a cuidar dos três filhos. O capitalismo é um sistema muito cruel, ele que dita que hora você tem que acordar, que hora tem que se alimentar e que hora tem que dormir.
19:20hs – Começou a chegar vários manos no meu barraco pra passar músicas no pen drive, gravar cds e ouvir músicas. Essa hora o movimento sempre é grande. Ao mesmo tempo que fazia esse corre eu preparava algo pra comer. Depois assisti com os manos um vídeo do Futi Favela no Cidade Nova. Eu e o Danilo filmamos os moleques jogando futebol no campinho de terra da favela e eu editei um vídeo clipe do jogo. Em breve vou disponibilizar ele aqui no blog pra rapa assistir.
20:30hs – Os moleques do Cidade Nova colaram no meu barraco pra ensaiar pro show de sábado. Aqui sempre rola uns ensaios massa, com improviso e muita descontração. Os piá estão escrevendo várias músicas maneiras. É tipo umas oficinas, só que mais informal... Eu que gosto muito da arte da escrita me sinto honrado por poder presenciar o parto de tantas músicas.
21:45hs – Os moleques foram embora e eu comecei a escrever esse texto.
22:30 – To aqui na Lan house, peguei uma hora de tempo e vou postar o texto.
* O que mais poderá acontecer até eu ir dormir?
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