quarta-feira, 13 de abril de 2011

A luta pelo transporte coletivo público e o direito à cidade



Os primeiros ônibus da manhã rodam a caminho do principal acesso ao bairro Cidade Nova, mas encontram a rua interditada. A fumaça preta vinda dos pneus e sofás queimados subia céu afora. Numa outra rua, de calçamento, uma pequena multidão se movimentava para obstruir a passagem do ônibus. O calendário marcava dia 02 de fevereiro. Primeiras horas da manhã. Era a terceira manifestação dos moradores do Cidade Nova contra o novo sistema de transporte público instalado na cidade havia pouco tempo. A nova licitação e o novo sistema foram feitos nos bastidores. Não houve debate amplo com a população, nem comunicação prévia sobre as novas linhas e itinerários que os ônibus iriam seguir dali pra frente. O descaso tornou o transporte público da cidade num verdadeiro caos.

Protesto no Morumbi

A primeira manifestação contra novo transporte aconteceu no Morumbi, em 14 de janeiro. O jornalista Jackson Lima escreveu em seu blog: “Os moradores pararam os ônibus, desembarcaram, se juntaram aos que esperavam os ônibus e fecharam o trânsito. De maneira pacífica, abriram o verbo. Reclamaram da situação especialmente da falta de informação”. Jackson Lima também já havia escrito a primeira matéria sobre o Cartão Único em 7 de agosto de 2009. De lá pra cá a prefeitura e os órgãos competentes nada avançaram na comunicação e divulgação do novo sistema que estava a caminho.

Manifestação no Cidade Nova



Três dias depois do ocorrido no Morumbi aconteceu a primeira manifestação no Cidade Nova. Foram 11 ônibus parados. A principal reivindicação dos moradores era pra que voltassem as linhas dos ônibus Cidade Nova Ponte e Via INSS, que foram cortadas com o novo sistema. É um itinerário muito usado pelos moradores, contando que o bairro não possui grandes mercados, então o povo costuma fazer suas compras no centro comercial da Vila A, na Avenida Silvio Américo Sasdelli e não nos mercados do centro da cidade.
Tem crianças do Cidade Nova que estudam na Escola Zizo, na Avenida Andradina, tem jovens que estudam no Colégio Barão, tem mães que levam os filhos na APAE. Tem ainda as pessoas que quando ficam doentes precisam ir ao INSS. O ônibus que vai pra Ponte da Amizade também é muito utilizado pela população, levando em conta que boa parte dos moradores daqui trabalham no Paraguai. O corte dessas linhas prejudicou a vida de praticamente todos os moradores do bairro.

MULHERES NA LUTA



No cidade Nova, as mulheres tiveram papel fundamental na organização dos protestos. A grande maioria das pessoas presentes eram mulheres. Uma delas é Lidionete Aparecida Botura de Souza, de 48 anos. Lidionete é natural de Iporã, cidade do interior paranaense. Chegou em Foz no ano de 1991 e mora no Cidade Nova desde a construção do bairro, há mais de 12 anos. Além de trabalhar como cozinheira no Colégio Jorge Amado, no Cidade Nova II, ainda dá aulas de catequese na Capela São Gabriel Arcanjo, também no Cidade Nova. Casada há 25 anos com José Padilha – sindicalista que trabalha no Centro de Controle de Zoonoses – confessam amar o bairro em que vivem.
Mãe de três filhos: Marcelo 22, Thaís 15 e Emanuela com 13 anos, admite que se o povo não se manifestar e se mobilizar nada muda. Ela acredita que um dos fatores do caos que se tornou o transporte na cidade foi a falta de comunicação: “Toda a mudança tem que ser pro bem da população, uma coisa repentina assim prejudicou muito”. Questionada sobre a participação da mulher na construção de uma nova sociedade ela diz que a mulher é um ser humano como outro qualquer e que tem que lutar junto com o homem pela transformação da sociedade: “Eu acho que a mulher ela arregaça a manga, sai fora pra trabalhar, pra ajudar o marido, ajudar a tratar dos filhos, ajudar a possuir os bens materiais, ela vai, ela faz e ela tem voz também”.

Todos sabem que o transporte público de Foz já era de péssima qualidade antes da implantação do nosso sistema. Com a falta de comunicação e mudanças das linhas isso se agravou. Lidionete fala do sistema de transporte da cidade e das dificuldades que o povo pobre que utiliza o transporte público enfrenta:

“Isso é abuso de poder, desvalorizando e desmerecendo a população. Quem implantou esse sistema, esse itinerário, não precisa do ônibus. Esquecem que nós precisamos de ir pro SUS e ficar em pé no ônibus segurando criança porque não tem lugar pra gente sentar. Eu que uso o ônibus pra cima e pra baixo sei como é difícil você vir cansada do serviço. É um desrespeito com a população carente que precisa do ônibus. Um desrespeito com toda a sociedade”.

O povo do Cidade Nova, assim como de diversos outros bairros periféricos, não tem muita opção de lazer, esporte, cultura e entretenimento e não tem acesso aos bens culturais que o centro da cidade dispõe. Com o transporte coletivo de péssima qualidade, essa situação se agrava. Lidionete se indigna:

“Como é que você vai assistir um cinema, não tem nem como você voltar. Meia-noite não tem mais ônibus. Aquele que perder o ônibus da meia-noite o que vai fazer? É um absurdo, isso é um desrespeito”.

Manifestações pelo Brasil

Nos últimos anos o Brasil fervilhou em manifestações contra o aumento da tarifa e pela revisão do sistema de transporte público. Desde 2003 com a Revolta do Buzú em Salvador, passando pelas Revoltas da Catraca, em 2004 e 2005 em Florianópolis, e diversas outras: Criciúma (SC) 2005, Fortaleza (CE) 2005, Uberlândia (MG) 2005, Vitória (ES) 2005, Recife (PE) 2005, os movimentos que lutam por um transporte coletivo digno e de qualidade não param. Atualmente Aracajú (SE), Brasília (DF) e Curitiba (PR) lutam contra o aumento da tarifa.

EM SÃO PAULO cresce as manifestações populares contra o aumento da Tarifa e também a repressão policial contra os manifestantes. O protesto do dia 17 de fevereiro na capital paulista foi duramente reprimido pela PM. Na outra semana, dia 24, aconteceu novo protesto, somando sete protestos em São Paulo só neste começo de ano.
EM GUARULHOS o Comitê de Luta pelo Transporte Público organizou uma manifestação no dia primeiro de março. Entre as exigências estava: a redução imediata da tarifa, até a tarifa zero; a volta das antigas linhas e a criação de novas a partir da necessidade do povo; passe livre para estudantes e desempregados; mais ônibus nas linhas.
EM FLORIANÓPOLIS movimentos e entidades criaram uma Frentede Luta pelo Transporte Público. Após o anuncio da possibilidade de um novo aumento nas tarifas a população voltou a se mobilizar e estão desencadeando lutas a favor de um transporte que seja verdadeiramente público, que seja acessível e voltado ao interesse da população.

Direito à cidade: mobilidade urbana e tarifa zero

No site Tarifa Zero, o artigo “Direito à cidade: mobilidade urbana e tarifa zero”, de autoria de Diego Augusto Diehl, Greicy Rosa e Victor Alexander Mazura, mostra a urgência da democratização do transporte coletivo público que é considerado pela constituição federal um serviço público essencial. O texto mostra como o transporte público no Brasil está a favor dos interesses de pequenos grupos de uma elite privilegiada apoiada no poder político. Podemos ler num trecho: “Desta forma, o direito à cidade se torna um direito auferível apenas por aqueles que tenham condição econômica para tal. Para isso, cada vez mais pessoas são levadas a aderir ao transporte individual (através de mecanismos de endividamento que oneram grande parte do orçamento das famílias trabalhadoras) e cada vez menos pessoas utilizam o transporte coletivo”.
Num outro texto de Marcelo Pomar publicado também no site tarifazero.org explica a essência do projeto Tarifa Zero:
“O transporte coletivo deve ser retirado das mãos da iniciativa privada, como fator fundamental para superar a pauta da lucratividade, que é a questão essência que
exclui milhões de pessoas do transporte .“O transporte deve ser gerido pelo poder público, municipalizado, voltado para os interesses da coletividade, e pautado numa outra forma de financiamento (...) Os setores que se beneficiam são os grandes industriais, as grandes empresas de comércio, os detentores dos grandes meios de produção e de circulação de mercadorias. A inversão da lógica “do paga quem usa, para o paga quem se beneficia” é um instrumento importante de democratização do acesso ao transporte coletivo”.



CDHMP denuncia problemas do transporte à promotoria

O Centro de Direitos Humanos e Memória Popular apresentou à Promotoria de Defesa do Consumidor petição sobre o sistema de transporte coletivo de Foz do Iguaçu. O documento pede ao Ministério Público a instauração de inquérito civil público, bem como propõe uma ação civil pública. A denúncia reforça que os usuários do transporte coletivo vivenciaram dias de tensão e desconforto nas últimas semanas, “dado ao fato da má qualidade do serviço e das decisões do poder público municipal e dos empresários que atuam no setor adotarem decisões que não contemplam o real interesse da população”.

O CDHMP salientou que o serviço não atende as reais necessidades dos usuários, “uma vez que os ônibus se deslocam com excesso de lotação, com irregularidades de horários, onde homens, mulheres, idosos e crianças, se deslocam em um verdadeiro amontoado de pessoas, ao mesmo tempo em que os pontos ônibus e terminais não asseguram nenhum conforto ou segurança”.

Para o CDHMP, o retorno ao sistema antigo de transporte público, por si só, não afasta, em nenhuma hipótese, a necessidade de uma investigação e profundo acompanhamento dos serviços relacionados ao setor pela Promotoria de Defesa do Consumidor. A Comissão pede uma apuração, em especial, do processo licitatório e da qualidade serviço, no que tange aos quesitos, adequação, eficiência, segurança e continuidade. “Como sabemos, somente uma licitação séria e rigorosamente de acordo com a lei é que possui a força necessária para fazer ocorrer um serviço de qualidade aos usuários ao longo do tempo”, descreve a petição, apresentada pelo advogado Olirio Rives dos Santos.

O requerimento será analisado pela Promotoria de Defesa do Consumidor. O órgão irá analisá-lo para saber se dá encaminhamento legal ou o arquiva. A prefeitura, após determinar o retorno do sistema antigo de transporte, prometeu convocar a população para discutir as melhorias para o setor.

TOQUES

Documentário IMPASSE
Os jornalistas Fernando Evangelista e Juliana Kroeger lançaram o documentário IMPASSE, que traz as manifestações contra o aumento da tarifa e debate o transporte em Floripa. No vídeo, o engenheiro Lúcio Gregori questiona como o transporte não é visto como um serviço público, assim como a segurança, saúde, educação. “É uma coisa misteriosa, que talvez estudiosos e acadêmicos podem saber: por qual razão o transporte é religiosamente pago e como tal reconhecido por todos, tanto os que recebem quanto os que pagam a tarifa, acham que é obrigatório pagar. Isso ta enraizado nas pessoas”.
www.impasse.com.br

Assista a novela sobre o transporte coletivo em Foz
O Megafone selecionou as matérias produzidas pela TV Cataratas (RPC/Globo) sobre as mudanças no transporte coletivo de Foz do Iguaçu. São mais de 50 reportagens feitas pela emissora desde o começo deste ano. Passado o caos provocado pela administração pública, vale a pena rever os capítulos (ou ver) dessa novela sem fim. O material traz muitas informações e opiniões de usuários que podem ajudar a construir um sistema de transporte urbano digno para a população.
Acesse http://migre.me/42mFq

Dia do Transporte Público Gratuito
O dia do transporte público gratuito, ocorre no primeiro sábado de março e foi celebrado pela primeira vez pela rede de usuários de transporte público da Suécia. A data refere-se a uma manifestação no metrô de Estocolmo no dia 1º de março de 2008.

+ Dicas sobre o tema

www.blogdefoz.blogspot.com
Jornalista Jackson Lima aponta os caminhos tortos das autoridades quando o assunto é transporte coletivo de Foz do Iguaçu.

www.fronteirazero.org
Reflexões sobre o setor: "Há muito tempo nas mãos da iniciativa privada o
transporte perdeu o seu caráter público.

www.tarifazero.org
Uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela.

Publicado no Jornal Manifesto, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, edição 2, março de 2011

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